"A minha única âncora és tu, amigo sem lugar de perdição. Em ti, fuga das fugas. chama de segurança. fujo da paixão que me arrancou à vida.
E não procuro nenhum dos outros homens que amei, talvez porque nenhum deles tenha podido guardar mais do que o sabor breve do meu corpo. Amavam a novidade do nosso prazer, o meu sorriso, a minha paixão, o que eu tinha para dar.
Tu, sombriamente, amavas o que eu não dava - o ressentimento, a insegurança. a maternidade. Gostavas de me ver falhar, e não era por vaidade ou piedade, como geralmente acontece entre amigos. O meu lado medíocre não te excitava os melhores instintos. Amavas simplesmente a minha terra como uma criança ama uma pedra, um bocado de boneco, um urso sem olhos.
É esse amor que agora me falta - o sujo, quotidiano amor dos momentos maus, das frases adversas. das ausências.
Fotografavas-me em fúria, descabelada, a dormir de boca aberta, a lamber a tampa do iogurte. Ou, tantas vezes, com os olhos inchados de chorar. E eu ficava bem na fotografia.
Tão efémeras, as cumplicidades radiosas. Encontros de pele, de ideias, de atmosferas, flutuando como nuvens para o paraíso do esquecimento. Acreditava que o sentido da minha vida estava nesses encontros, e confronto-me agora com a falta que tu me fazes. Tu roubas-me o sentido, viciei-me nesse roubo, talvez seja ainda um vício do sentido, o supremo.
Nós nunca fomos cúmplices, sabíamos demais um do outro. Éramos promíscuos."
Fazes-me Falta, Inês Pedrosa
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