terça-feira, 28 de dezembro de 2010


Pensaste em mim enquanto morrias? Dava muito dinheiro por esta resposta - desde que fosse a verdade. Porque há a verdade - não é tudo tão relativo como tu querias ensinar-me.

Há a verdade, e era isso o que nos unia; que houvesse a verdade, navio absoluto. Alguns outros concordariam conosco, mas à distância. A distância dos risos e dos copos que se tornou a nova intimidade. Para ti, a verdade não era inatingível - estarias já comigo naquela manhã de infância em que quis nadar até ao navio do horizonte? Apanharam-me antes de lá chegar, com um barco a remos e um par de bofetadas - o menino é doido?

Vive-se melhor a inventar a verdade todos os dias, dizem-me.

Faz de conta que não morres. Faz lá.

Nós os dois queríamos inventar tudo menos a verdade. Mesmo que ela fosse nossa inimiga. Sobretudo quando ela era nossa inimiga. Queríamos matar a verdade má e espalhar a verdade boa - o menino é doido?

Como é que eu mato a tua morte? Em sonhos, vens-me buscar, levas-me contigo por um corredor longo e frio. Porque há tantos corredores, e tão escuros, nos sonhos? Mas no fim, olhas para mim e já não és tu. Uma caveira com restos de carne nos olhos ri-se para mim e faz nha-nha-nha, como as crianças - bem feita, bem feita, enganei-te."


Fazes-me Falta, Inês Pedrosa

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