domingo, 9 de novembro de 2008

Telefone




A voz a voz dele parecia cansada, mas se tratava de alguém mergulhado em um tédio profundo e diário, um falso depressivo que buscava na crítica ao meio de vida geral e em seu ego um escudo para não ser feliz. Não, não, felicidade para ele não existe, é utopia de pessoas vazias, diria que é um escudo para o seu próprio lado leve de ser, que ele insiste em esconder de si. Naquele dia o tédio e a tristeza eram os maiores do mundo, pelo menos do meu.. ele atendeu ao telefone logo no segundo toque, para minha surpresa:
- Alô..
- Alô.. respondi me perguntando em silêncio de onde vem a palavra “alô”..
- Quem fala?..
- Sabe, meu caro, me faço essa pergunta todas as manhãs ao acordar. Pergunto-me qual será a máscara do dia, a colorida vibrante com sorriso largo ou a pálida e mórbida de um pierrô perdido. Ou ainda se serei a executiva bem sucedida ou uma mera estagiária tímida e esquecida. Em dias de manhãs diferente tenho vontade de ser a Mulher Maravilha, mas sempre lembro que perfeição não existe e pessoas que se dizem perfeitas são aquelas que escondem sombras profundas, então resolvo viver Alice no País das Maravilhas e no decorrer do dia cantar “Feliz desaniverssário” com meus amigos inventados ou enfrentar a grande Rainha de Copas e toda a sua arrogância.. ou melhor.. – ele me interrompeu:
- Você é Alice e lida com pessoas arrogantes durante todo o seu dia, além de ser mais feliz com seus amigos e amores inventados do que com aqueles que são reais.
- Estou cansada de ser e meus dias são iguais.
-Estamos, sinto por você.
- Porque é tão difícil mudar de vida, se sabemos que tudo pode ser melhor e diferente?
A risada dele fez quebrar a melancolia.
-Você é patética.
-Você já se perguntou até que ponto nosso amor foi inventado? e como disse Caio um certo dolorido-colorido. Até onde o que víamos e sentíamos um pelo outro era algo individual, algo que queríamos que o outro fosse por carências próprias, uma espécie de fuga. Já se perguntou o que teria acontecido se aquele sentimento todo tivesse a oportunidade de ter sobrevivido até o fim?.. mordi os lábios, sabia que o que ouviria em seguida poderia ser como mil facas entrando no meu pulmão, sem me deixar respirar para sempre..
- A nossa loucura, nosso tesão sobreviveu o tempo necessário, e quando se tornou amor nos perdemos, o “amanhã” cheio de incertezas ficou pesado, chato. Aquilo tudo era bom demais e a dor de uma decepção ou frustração poderia ser muito maior, por isso disse adeus dentro de um turbilhão de emoções. O nosso “outro” inventado, projetado, cuidadosamente moldado diariamente estava perdendo a essência do que nos encantou. Foi melhor assim, hoje sabemos que ainda existem fragmentos de dor, mas existe também muito do colorido de outrora.
Uma lágrima ensaiava descer, e minha respiração pesava, meus dentes depois de descravarem do lábio inferior me permitiu emitir um som qualquer, interrompido por ele.
-Porque esse papo esquisito agora e depois de tanto tempo?
- Porque em dias comuns, onde nada acontece, reviro o baú empoeirado do meu peito. Para sentir alguma coisa.
-Isso é triste e vazio.
- Porque depois de algum tempo e com outras experiências, consigo explicar melhor o que passou e digerir sem emoções fortes.
-A beleza da vida está nas fortes emoções e na hora que acontecem, depois não vale a pena mergulhar nas cinzas.
-Então, tudo aquilo para você virou cinzas?
-Não, apenas lembranças, alguma nostalgia e talvez algum arrependimento.
- Arrependimento? Não sabia que esse sentimento habitava o teu ser.
-Você não me conhece como pensa, sou um maldito homem. Com todos os malditos sentimentos e com todas as malditas memórias humanamente possíveis de se conservar.
-De que se arrepende?
- Talvez por algo dito, ou algo que podia ter sido dito, hoje não vem ao caso. Pára.
-Eu sempre te amei, disse baixinho.
-Eu também sempre te amei, repetiu baixinho.



Desligamos.








“Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais - por que ir em frente? Não há sentido, melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.” Caio Fernando.









"Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você, ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e, se era assim,até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que, no fundo, sempre no fundo,talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, entende?Dolorido-colorido,estou repetindo devagar para que você possa compreender.." Caio Fernando.

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